"Morrer é só não ser visto"
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Amanhã não é mais um dia. Amanhã é o dia.
Se eles soubessem o quanto o dia de amanhã é importante, estavam aqui. Mas não estão. Segue a vida, vivida com confiança em quem nunca nos abandona, em quem nos conhece. Agradeço a Deus pelos obstáculos que põe no meu caminho e pela força que me dá todos os dias para os vencer. Ultrapassei os limites do cansaço e o nervosismo não me deixa, mas confio... Tenho fé. Fé de que o amanhã seja aquilo que eu preciso: um dia sereno com os momentos importantes a correr tal como planeado.
Entretanto, li este poema de Álvaro de Campos e está lá tudo o que havia para dizer sobre o amanhã... Não podia deixar de partilhar um excerto.
ADIAMENTO
"Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã...
Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã,
E assim será possível; mas hoje não...
Não, hoje nada; hoje não posso.
A persistência confusa da minha subjetividade objetiva,
O sono da minha vida real, intercalado,
O cansaço antecipado e infinito,
Um cansaço de mundos para apanhar um elétrico...
Esta espécie de alma...
Só depois de amanhã...
Hoje quero preparar-me,
Quero preparar-rne para pensar amanhã no dia seguinte...
Ele é que é decisivo.
Tenho já o plano traçado; mas não, hoje não traço planos...
Amanhã é o dia dos planos.
Amanhã sentar-me-ei à secretária para conquistar o rnundo;
Mas só conquistarei o mundo depois de amanhã...
Tenho vontade de chorar,
Tenho vontade de chorar muito de repente, de dentro...
Não, não queiram saber mais nada, é segredo, não digo.
Só depois de amanhã... "
Álvaro de Campos
Quem era
Ele partiu,
Já cá não mora.
Com ele foi a mágoa
das palavras que já não ouviu.
Quem não tem com quem falar,
preenche o vazio com palavras suas.
Não se ouviu no momento,
porque havia de esperar?
É o murmúrio triste da alma negra.
É o infortúnio da solidão esperada,
nos recados pouco sóbrios
onde a ilusória realidade está espelhada.
Quem se quer fazer ouvir
não tem porque falar baixo.
Nas palavras frágeis revela-se
o fragmento do globo que quis construir.
"Tu tiveste o sonho de ser a voz de Portugal
tu foste de verdade a voz de Portugal
e não foste tu!
Tu ficaste para depois
E Portugal também.
Tu levaste empunhada no teu sonho a bandeira de Portugal
vertical
sem pender para nenhum lado
o que não é dado pra portugueses.
Ninguém viu em ti, Fernando,
senão a pessoa que leva uma bandeira
e sem a justificação de ter havido festa.
(...)
Portugal fica para depois
e os portugueses também
como tu."
«Ode a Fernando Pessoa», José de Almada Negreiros
Fim
O Mundo está louco
E a vida não pode dar mais voltas.
Não sei se foi culpa da ironia
Ou se o que temos é pouco.
Onde ficamos, perdidos,
Vimos o futuro ser enterrado.
Percebemos que o tempo que não chegava
Era, afinal, o passado.
Onde deixamos o que nos unia
A calma estava por um fio.
Sabíamos que a estória era insegura
Mas esperamos pelo fim deste vazio.
O vazio é o fim,
Sobreposto ao inalcansável.
Mas se fosse fácil descobri-lo
O Mundo caía numa saudade imperdoável.
Esse foi o erro que comprometeu o presente,
Envolvendo-o numa teia de ilusões.
Quando pensávamos ter as respostas
O tempo foi insuficiente para as questões.
Somos, agora, duas partes de um coração
Ferido, esmagado, parado.
Uma emoção expressa pelas lágrimas
Que nos olhos, já mortos, secaram.
" Minha presença de cetim,
Toda bordada e cor-de-rosa,
Que foste sempre um adeus em mim
Por uma tarde silenciosa...
(...)
Há mãos pendidas de amuradas
No meu anseio a divagar...
Em mim findou todo o luar
Da lua dum conto de fadas. "
«Elegia», Mário de Sá-Carneiro