Sou contra o português com laivos de "português açucarado"
Em Portugal é difícil ser resistente quanto às normas que se vão legislando, mas eu resisti. Segundo o Artigo 37.º da Constituição da República Portuguesa, "Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento (...) bem como o direito de se informar e de ser informados, sem impedimentos, nem discriminações." (ponto 1) e "o exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura" (ponto 2). Assim sendo, sou contra o Acordo Ortográfico e a aproximação do português de Portugal ao português do Brasil (que também conheço, em tom de "brincadeira" como português açucarado, uma vez que brasileiro, como definição de língua, não existe) . É cada vez menor o número de leis com lógica em Portugal, mas a mudança que estão a fazer quanto à ortografia é, na minha opinião, absurda. Não sou daquelas pessoas que discordam só para ser do contra ou simplesmente não gostam de mudanças e criticam tudo e todos. Pensei muito sobre o assunto, mas não mudei a minha opinião. Só isso.
Tive uma disciplina chamada Património e Identidade, na qual aprendi que o património não é sempre algo de material mas é algo que é reconhecido pela comunidade como uma mais valia cultural, como é o caso da Língua Portuguesa, que é também parte da nossa identidade, que nos diferencia dos restantes países do mundo. Para não me deixar mentir, existe o Ministério da Educação e Ciência que define património cultural como "todos os bens que, sendo testemunhos com valor de civilização ou de cultura portadores de interesse cultural relevante" devem ser "objecto de especial protecção e valorização". Parece-me contraditório mas para o caso de não se perceber bem porquê continuemos a ler a informação disponibilizada na página, que determina que "A língua portuguesa, enquanto fundamento da soberania nacional, é um elemento essencial do património cultural português". Será hora de citar Scolari que há uns anos perguntava se o burro era ele? Para já talvez seja melhor não citar mais nada...
Por agora fico apenas a imaginar como pode sentir-se alguém que tenha chumbado o ano ou reprovado em testes de português por escrever como hoje é aceitável (sim, aconteceu e muito mais do que se imagina). Se tivesse acontecido comigo, estaria muito chateada. Afinal, muitos portugueses podem ter perdido anos de estudo mas se fosse hoje eram excelentes alunos. Há quem diga "é como tudo" ou "temos pena". Bem, é como tudo não... A educação deve ser tratada com muita seriedade e responsabilidade. (Desculpem, por momentos esqueci-me que falamos de Portugal). E nós também "temos pena" que os pais façam esforços monetários para comprar manuais, dicionários, gramáticas, entre outros, para os seus filhos e no ano seguinte tenham que substituir tudo por ordem de dois ou três que têm dinheiro, principalmente se considerarmos a actual situação financeira portuguesa. Da minha parte, mais informo, caros amigos, nasceram na época errada, mas acredito que não estou a dar-vos nenhuma novidade.
Quanto à questão da aproximação ao português do Brasil, que está em vigor desde 2009, é interessante olhá-la relembrando o passado. Pedro Álvares Cabral (sim, um descobridor português) descobriu o Brasil mas ao longo dos tempos somos nós que nos aproximamos deles a nível linguístico. Os papéis não estão trocados? Não tenho nada contra o povo brasileiro, muito pelo contrário, mas acho que caso se tivesse mantido o acordo anterior, cada país teria forma de distinguir-se pelo seu (repito!) património cultural. Para além disso, é sabido que o Governo brasileiro adiou por três anos a obrigatoriedade de aplicação do AO para 1 de Janeiro de 2016 (sem esquecer que Angola recusou que o AO entrasse em vigor, algo que devia servir de exemplo para o Governo de Portugal). Este facto já foi desmentido ao jornal Público por Carlos Reis, professor e defensor do AO, que leccionou em 2011-2012 na Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Carlos Reis disse que o AO "foi já generalizadamente adoptado no Brasil, sem dramas nem histerias". Quero lembrá-lo, Doutor Carlos Reis, que não são os brasileiros que têm de se adaptar, visto que somos nós que temos de passar a escrever como eles. Assim, torna-se muito fácil falar quando se está desse lado. Quanto aos histerismos, a única histeria dos brasileiros seria o facto de com o AO deixarmos de ser um "povo irmão" para sermos os "filhos" deles. Estamos a criar um só português, uma só língua. E eu, nos meus direitos, não aprecio esta medida.
Em 2009 surgiu o Manifesto em Defesa da Língua Portuguesa contra o Acordo Ortográfico, uma petição que foi apoiada e assinada por diversas figuras importantes na sociedade portuguesa como é o caso de Zita Seabra (política e editora portuguesa), Vasco Graça Moura (político e escritor), António Lobo Xavier (político e advogado) ou José Pacheco Pereira (político, historiador, professor universitário e comentador político), entre outros. Também o jornal Público ou a Sociedade Portuguesa de Autores continuam sem adoptar o Acordo Ortográfico, o que é de louvar.
Então, a partir de agora, já sabem... Aqui, escrevo o português que aprendi, o português que gosto, o português que estava em vigor nos anos 90 (benditos anos 90!).
Joana Pires