O álbum I See You dos The xx foi lançado no dia 13 de janeiro deste ano. O áudio de "On Hold" já era conhecido e já havia vídeos de actuações da banda a cantar "I Dare You" e "Say Something Loving", ainda que em versões ligeiramente diferentes do original que isto de ser ao vivo não deixa perceber tudo da mesma maneira que a versão "limpa" para o disco. Do conhecido até então dava para perceber que duas coisas se iam manter: as letras apaixonantes e sinceras e as personalidades das vozes bem definidas. As restantes sete músicas tiveram de esperar pela data certa para chegar a público através do CD ou das plataformas digitais. O Spotify salvou-me de praticamente um mês de espera pela I See You Boxset, ou seja, a versão deluxe do CD e do vinyl, com três faixas bónus, mais um vídeo de uma das canções filmado pelos membros da banda e 3 fotografias topo de gama das gravações desses vídeos e do tempo que os The xx passaram pelos EUA nesse período. Assim que o disco chegou ao Spotify lá estava eu, pronta para não ouvir outra coisa até março (pelo menos). E não fugiu muito disso. No dia seguinte, nas minhas viagens de autocarro trabalho-casa/casa-trabalho escrevi um pequeno texto de análise ao disco que agora arrumo para vocês.
Um disco que abre com cinco notas de metais e que depois de dois segundos de silêncio deixa o baixo, entregue a Oliver Sim, e a percurssão, entregue a Jamie xx, tomar conta da ocorrência será certamente um bom disco, ainda que algo perigoso ou não fossem as primeiras palavras de "Dangerous", entoadas por Sim, "they say we're in danger". Logo se apressa a dizer que talvez não. Tenhamos fé nele que nunca nos desilude. A letra é uma das minhas favoritas de I See You, mas ouvindo o refrão a música parece-me ter artefactos demais. Há muito para tomar em atenção: ele são os sons dos metais, a percurssão forte, duas vozes, as sirenes... Pareceu-me too much para um refrão, mas tudo o que não seja o refrão de floreados, contem comigo para dançar e cantar. É de louvar a inclusão de outros instrumentos nas melodias. É já um dos pontos a favor do disco porque não é tradição no caso dos The xx, mas nesta canção foram do 8 ao 80 e isso assusta qualquer fã (mas eu gosto das experiências deles, ia correr bem!).
Quando ouvi "Say Something Loving" nesta versão já sabia praticamente a letra toda. Isto foi resultado da exaustiva pesquisa sobre o que se sabia até ao momento, ver todas as actuações ao vivo em programas, ver vídeos dos concertos que os fãs colocam online com o título "new song". Assim aqueles fãs desesperados por notícias e novas músicas como eu. Começa como uma música "tipo The xx", com as vozes Romy e Oliver a intercalar-se, a guitarra sempre muito influente e a letra que nos fala sobre o amor nas suas variadas formas. As samples e os arranjos de orquestra, desta vez com cordas, vão transformando a canção.
As vozes de inspiração gregoriana tomam conta dos primeiros segundos de "Lips". Mais uma música que contrasta com os primeiros álbuns e que marca pela diferença. A influência de Jamie xx na banda é cada vez mais evidente. Não só na percurssão, como nas samples que vai introduzindo e que alteram por completo a dinâmica da banda. Neste caso, "Lips" tem um certo envolvimento de synth pop conjugado com funk, responsabilidade de Jamie xx, ele próprio, who else?! É uma música dançável, com bastante groove. Uma das minhas favoritas, tal como "A Violent Noise", embora esta última tenha uma componente introspectiva muito forte, talvez derivado à fase mais difícil que o Oliver atravessava quando a canção foi escrita. "Now I go out but every beat is a violent noise", não faz sentido? Eu identifico-me! Sobre a melodia não se pode dizer muito. Jamie xx tomou conta do espaço e brilhou. Acho que esta é uma daquelas canções que funciona muito bem com o Jamie mas se a percurssão fosse mais leve também não seria uma má canção.
O disco roda e segue-se "Performance", outra das minhas favoritas (já disse que sou fã número 1, não já?!). Esta é uma música à de The xx, do início ao fim. A voz calma e segura da Romy canta algo que entendemos como profundo, escrito que por alguém que tenta esconder o que sente: "I'll put on a performance/ I'll put on a show/ It is a performance/ I do it all so/ You won't see me hurting/ when my heart it breaks/ I'll put on a performance/ I'll put on a brave face". À guitarra e ao baixo apenas se sobrepõem ligeiramente arranjos de cordas, para dar aquele floreado de que falava no início, mas nada de exagerado. O mesmo acontece com "Replica", que nos lembra Coexist, o segundo disco. Nas vozes Oliver Sim dá conta do recado, muitas vezes optando por conjugar vozes mais agudas com outras mais graves, o que dá um efeito bem bonito visto que é um vocalista capaz de fazer ambas as vozes. Mostra-nos,mais uma vez, a sua versatilidade vocal. O clima emocional é embalado por uma melodia rica mas por uma letra triste. Para quem não sabe, Oliver Sim passou por um problema de dependência de álcool e esta canção é uma reflexão sobre o seu passado e o receio de ficar preso ao seu histórico familiar: "they all say I will become a replica/ your mistakes were only chemical/ 25 and you're just like me/ is it in our nature to be stuck on repeat?/ (...) Mirroring situations, accurate imitation/ Do I watch and repeat?/ And as if I tried to, I turned out just like you". "Stranger In a Room", escrita por Sim para o disco In Colours, de Jamie xx, parece ser a sua prequela. A música "Brave For You" podia muito bem ser a continuação de "Replica" mas desta vez é Romy que conta a sua história, ou não fossem eles escritores das suas próprias tragédias e felicidades desde o primeiro disco. A morte dos pais inspirou Romy que canta de forma muito emocional. Ao vivo é ainda mais "sofrida" a sua forma de entoar "when I'm scared/ I imagine you're there/ telling me to be brave/ so I will be brave for you/ stand on a stage for you/ do the things that I'm afraid to do/ I know you want me to". Mais emocional ainda é a versão acústica de "Brave For You" que é uma das faixas bónus do disco, a tal versão deluxe com direito a vídeo, e que foi gravada nos EUA.
De regresso às histórias de amor com "On Hold" e "I Dare You", ambas com uma melodia up beat, fortíssimas nos refrões (mas sem exageros) e com letras encantadoras. A personalidade da banda não se perde, fortifica-se. Com pequenos apontamentos, Jamie xx dá vida às canções, tornando-as dançáveis e próprias do verão, o que caiu muito bem a pessoas como eu que em agosto ainda ouviam o disco non stop. Outro facto que tenho a destacar é que me agrada particularmente que o Oliver cante cada vez mais as letras. Numa fase inicial ele não se assumia como lead singer mas agora tem mostrado que não tem problemas nenhuns com isso, prova de tal é que ele termina a música "On Hold" e uns segundos depois já está comprometido com "I Dare You". Esta última é praticamente voz. Não tem muito mais e nem precisa. Tem alguns pormenores muito específicos de guitarra, tal como é normal nos The xx, que nas versões que tocaram ao vivo não eram tão percetíveis. As duas estão no top 10 do grupo de músicas que o Spotify preparou para mim como as mais ouvidas este ano (e podia ser diferente?). A inovação em "Test Me" foi semelhante, ou seja, nenhuma. Isto agrada-me porque num disco que começa com tantas novidades de floreados, é bom terminar ao "velho" estilo da banda: calmo, introspectivo e com atenção às palavras.
As faixas bónus foram adicionadas ao Spotify (e ao Youtube) mais tarde, mas também já estão disponíveis. E que belas que são. Na minha opinião são duas das mais bonitas canções dos The xx: "Naive" e "Season Run". Mais uma vez vêm para contar histórias, vividas por Oliver e Romy, relacionadas com o período que passavam durante o hiatus entre o fim da tour do segundo disco e o início da gravação do terceiro. São curtas mas são sensíveis. São simples de sentido mas complexas de melodia. São um pouco mais felizes e um pouco mais tristes. Tudo depende do momento e do que sentimos. Para mim são canções nostálgicas. Comparo a "Season Run" à "Missing" do Coexist não em termos melódicos mas no que me faz sentir.
No seu todo, não é só a composição que está mais elaborada, que aceita mais as intervenções de Jamie xx, é também em termos de produção que o projeto tem evoluído. São uns The xx mais maduros e crescidos estes. E estão bem assim.
P.S. Obrigada a todos os que foram perguntando e quiseram saber quando é que eu ia escrever sobre este álbum. Agora leiam!
Se estão a pensar "bonito, bonito são as canções do Tozé Brito" eu respondo-vos: cá para mim bonito é o James Blake não terminar 2017 sem fazer mais uma cover divinal. E aqui está "Vincent", de Don McLean, pela interpretação, pela voz e pelo sentimento do magnífico e expressivo James Blake. Ao vivo! Ele pode até decidir cantar o Aleluia inspirado pela Missa do Galo que eu vou achar que é fora do comum, de outro mundo e tudo mais. Porque é.
Este ano decidi formar uma única playlist com músicas tanto nacionais como internacionais que foram importantes e que impactaram o meu 2017 por serem as melhores do ano. O objetivo nunca foi ter 50/50 de representação nacional/internacional. A intenção foi escolher entre as músicas mais ouvidas e as mais supreendentes, mas as melhores. Daí que o que vão encontrar não teve limitações de género musical ou outro, de país de origem e de relevância do artista/banda no meio. A única limitação foi não escolher mais do que uma música de cada artista/banda (só dos melhores álbuns do ano escolhia praticamente o disco inteiro se assim fosse). Para além disso tive também de limitar a 100 músicas porque inicialmente seriam 50 mas não sou uma pessoa de resumos - risos - e portanto quando vi que a playlist estava a chegar às 100, parei. São mais de 6 horas de música (são praticamente 7, mas pronto...) para lembrar que 2017 foi uma riqueza no que à música diz respeito.
Nesta playlist podem encontrar nomes mais consagrados, como é o caso dos primeiros Susanne Sundfor (autora do melhor disco do ano), Kendrick Lamar (que não ficou longe disso), assim como os The xx, os Portugal. The Man, os alt-J, as HAIM ou os London Grammar, por exemplo; mas podem também conhecer ou voltar a ouvir artistas que, neste caso, descobri com a ajuda do Spotify e do Youtube em 2017, como Lewis Capaldi, SYML, Criolo, Rationale, entre outros que levo comigo para o futuro.
Relativamente a artistas portugueses, a playlist conta com nomes como D'Alva, Manuel Fúria e os Náufragos, Salvador Sobral, Surma, Tiago Bettencourt, Alexander Search e mais.
PLAYLIST100 Músicas de 2017:
Gostaram das minhas escolhas? Se sim, consultem a playlist no Spotify e guardem-na para mais tarde recordar. De qualquer forma, falem-me das vossas músicas favoritas do ano. Digam-me quais as surpresas, quais as deceções e que música falta nesta lista (se for caso disso). Espero o vosso feedback.
Que 2018 seja tão bom ou ainda melhor do que 2017!
Susanne Sundfor. É ela a artista do ano. É dela o melhor disco de 2017.
Music For People In Trouble foi lançado em setembro mas Susanne já havia apresentado uma das faixas em 2016, numa gala de prémios. "The Sound Of War" já fazia prever um disco marcante, com uma melodia que nos traz à memória canções medievais e a voz frágil - os agudos são muito bem conseguidos mas a voz é fina e portanto pode parecer-nos frágil mas rapidamente percebemos que é uma voz muito poderosa. A apresentação da música decorreu numa noite em que a norueguesa foi galardoada com os prémios Álbum do Ano, Produtora do Ano e Melhor Artista Pop do Ano nos Norway's Spelleman Awards (os prémios correspondem ao ano de 2015 e mostram-nos que a qualidade elevada do trabalho da artista não é de 2017).
Na verdade, Music For People In Trouble começa com "Mantra", uma canção reflexiva em que guitarra dá conforto à voz melancólica e à entoação das palavras. Como uma canção de encantar, Susanne fala-nos ao ouvido numa letra muito ligada aos elementos. São feitas referências relacionadas com o elemento água: "looking down on a lagoon (...) I'm as mighty as a shark"; mas também com o elemento terra: "making all the flowers glow". A norueguesa refere-se também ao espaço quando se declara tão sortuda quanto a lua. No final da canção ouvem-se os sinos ao estilo dos casamentos reais (pelo menos foi isso que me fez lembrar). Na versão do disco, "The Sound Of War" abre com sons da natureza para depois aparecer então a canção um tanto medieval. Nota-se bem como foi tudo pensado ao pormenor.
As baladas seguem com "Reincarnation", na guitarra sempre com trejeitos e tempos marcados, as palavras arrastam-se na melodia que a letra ilumina com o retratar do estado do mundo, as questões que todos colocamos e sobre as quais Susanne quer refletir. "Good Luck Bad Luck" traz o piano às canções de embalar e apresenta-se como a música onde podemos conhecer mais sobre a voz da cantora e sobre o seu universo neste álbum. Há tempo para tudo: palavras mais marcadas intercaladas com fins de frases arrastados, agudos misturados com graves - ambos os registos desempenhados com distinção -, um canto entre o clássico e o lírico, e até um solo com inspiração jazz (tem contrabaixo e saxofone e está tudo dito).
"Music For People In Trouble" é a canção que dá nome ao disco. Como já disse anteriormente, quando os discos têm nomes relacionáveis, é logo um ponto a favor. E penso que todos nós conseguimos olhar para o mundo e relacionar o que se passa à nossa volta (e tantas vezes connosco) com o nome do álbum. O início é parcialmente psicadélico, com ligeiras alusões ao electrónico. E uma voz fala. É a voz de Andres Roberts, amigo de Susanne Sundfor, que é montanhista e tem um projecto que consiste em preparar as pessoas para retiros na natureza (coisa para lidar sozinho com a natureza durante longos períodos de tempo). Mais uma vez a natureza é a base da canção. A flauta é chamada para abrilhantar o instrumental. Não há letra, mas daquilo que é dito no monólogo de Roberts fica este lindo entendimento: "we don't do life, we don't choose life, life does us". Bonito!
A música "Bedtime Story" pode parecer-nos mais uma canção de embalar (e pela voz seria) mas o que é certo é que a letra conta-nos uma história menos positiva. Ouve-se em "because I always meant it when I said it would go wrong/ because I always thought my life would be a sad song"; ou em "what am I but a bad story teller?". A melancolia aparece também em "and when the nights are cold and strange and all the birds are gone/ (...) I'll think about the time you reassured me you were mine". É de Susanne Sundfor um dos versos mais bonitos do ano, sobre o amor claro: "oh, what is love but a frail little dreamcatcher?". De notar ainda que o conhecimento musical desta cantora é impressionante, mais do que não seja porque traz ao álbum instrumentos que nem sempre ouvimos com a atenção que eles nos merecem, aqueles que muitas vezes não têm o espaço melódico devido para brilhar. E ela faz isto muito bem no disco. No caso de "Bedtime Story" é o clarinete, mas são vários os instrumentos que ganham visibilidade com Sundfor.
Segue-se a minha música favorita, "Undercover". É a letra, é a melodia, é o alcance vocal, é a energia e o sentimento... É uma grande canção, não se pode fugir a isto. A par de "Good Luck Bad Luck" é aquela que mais dá a conhecer as características vocais e artísticas de Susanne Sundfor, a acentuação, o piano melancólico e os agudos imponentes que são difíceis a qualquer ser humano, mas que são marca desta artista. Vale a pena ouvir e voltar a ouvir quando ela começa com a marcação dos versos finais da música, "it wouldn't even matter/ If you didn't even bother/ To be more than a lover/ It wouldn't even matter/ If I didn't even bother/ To believe in a forever, no". É uma belíssima composição musical.
A música que vem a seguir não se chama "Verdade Universal" mas devia porque "No One Believes In Love Anymore" é praticamente uma tradução para inglês de tal frase. "The world has gone off the hinges, and the spinning begins" é um dos versos que nos explicam porquê. "A downards spiral, punctured balloon/ disfigured and pale looking up at the moon/ up at the moon/ we’ll all get there soon" confirma a história. A flauta ajuda a melodia a levar-nos para o imaginário onde possamos refletir sobre os problemas e as questões sérias que enfrentamos diariamente. O solo de flauta no final é idílico. Talvez púdessemos encontrar solução para o mundo como está nos dias de hoje. Talvez.
O fim aproxima-se. O disco não é muito extenso, tem apenas 11 canções. Fossem todas as 11 canções dos álbuns de 2017 como estas, com tanto conteúdo, e não saíamos daqui nem em 2020. Ficam a faltar duas músicas: a futurista "The Golden Age", que conta com uma voz off que não sei identificar (ainda que esta tenha letra para além do monólogo) e volta aos sons mais electrónicos, experimentais, psicadélicos que a certa altura são substituídos por uma melodia suave que traz de volta a melancolia, ainda que estejam no instrumental as inspirações "futuristas"; e a arcaica "Mountaineers", com John Grant (músico americano de indie rock) a entoar um cântico que nos lembra canto gregoriano e que só quando Susanne Sundfor começa a cantar começa a ser menos críptico. Repito: o alcance vocal desta artista é impressionante. O tom é bonito, mas o alcance vocal, algo entre o canto lírico e as inspirações pop que terá, é coisa para deixar uma pessoa absolutamente rendida à energia e ao sentimento que Susanne carrega na voz. Eu já gostava da voz dela, mas acho que neste disco está muito mais clara, definida, se posso dizer assim. Já para não falar da escrita das letras, que é de quem sabe das coisas do mundo. É de quem se inspira no que vê, no que sente. E isso para mim é mais de meio caminho andado, bem sabem. Ora atentem nos últimos versos de "Mountaineers": "what it is, what it means/ now I know, will never be what you need, no/ what we are, what we want, it will never change/ we will break through your walls, unstoppable". Isto é de quem sabe da vida, vivida e sonhada. Ponto.
Quanto a Susanne Sundfor, acompanho o seu trabalho desde que lançou uma música com os M83 para a banda sonora do filme Oblivion, em 2013. Não vi o filme, não ouvi o resto da banda sonora porque o que ouvi chegou-me. A música foi-me sugerida porque eu gosto muito dos M83 mas o que me interessou mais foi aquela voz límpida e emocionante. Ainda por cima foram ao programa do Jimmy Kimmel apresentar a música e percebi que ela canta mesmo assim ao vivo. Depois fui ouvir os álbuns mais antigos e olhem... Fiquei sem palavras. Como dizem em inglês (só porque fica mais pomposo) breathtaking. Assim mais para dançar, a dupla norueguesa Röyksopp lançou uma música em colaboração com a Susanne que também gostei muito. Resumindo... Até hoje sou fã.