Minha estrela, meu céu azul
Querida Tátazinha,
Partiste há um ano e ainda assim os meses, os dias, as horas, os minutos e os segundos não passaram. Aqui estou: no mesmo local, ainda a escrever e a ouvir a notícia da tua passagem vezes e vezes sem conta a ecoar na minha cabeça. Tudo o que se seguiu foi a personificação do pânico, do medo de imaginar um mundo sem ti e ao mesmo tempo tentar compreender a tua ausência. Não compreendi e até hoje não acredito num futuro em que possa compreendê-la. Recordo a minha imediata preocupação em lembrar-te nos teus melhores e piores momentos, nos teus mais pequenos pormenores. Eras pequenina, é verdade. Mas poderia passar um dia inteiro a enumerar os múltiplos pormenores que durante os 14 anos da tua existência te tornaram num dos melhores seres vivos que já habitou este planeta.
De verdade, nunca conheci nenhum ser vivo com uma capacidade de exposição solar tão grande. Se deixássemos ficavas 24 horas ao sol (mais horas houvesse). O teu grande problema sempre foi o sono, mas tu fazias tudo ao mesmo tempo. Fora se série, portanto. Eras a cadela dos sete ofícios: ladravas, mostravas os teus dentinhos de plástico a duas/três pessoas por dia (inclusivé donos, para as típicas brincadeiras de uma mini cadela), perseguias moscas, brincavas com a tua grande amiga Bolinhas, sabias perdir comida como ninguém e eras um excelente garfo - aliás, não só o garfo mas também a faca... Lá isso comias de tudo. O verbo era comer, o quê não interessava nada. Lado a lado com este verbo, estava o do sétimo ofício, e aquele que mais prezavas: dormir.
Ao longo deste tempo, enquanto processo a tua perda, tenho tentado tranquilizar a minha consciência, acreditando que fiz tudo o que podia por ti. Sei que os restantes elementos da nossa família lutaram por ti e pela tua sobrevivência até ao teu último suspiro. Mas o facto de estar tão longe e de saber que não estive presente e não pude ajudar, não se resolve comigo. Não há pontos positivos em estar praticamente todo o ano tão longe de casa, isso é certo. É nesses momentos que recordo o nosso momento de despedida, aquele momento em que tive a certeza de que seria a última vez que olharia para os teus pequenos e tão belos olhos. Sei que sentiste o mesmo e acredito que tenhas percebido que a ideia de viver sem ti era insuportável, como ainda é. Desculpa minha pequenina. Desculpa eu não saber viver comigo sem ti.
Sempre que falo de ti, falo no plural. Nós. Seremos sempre nós. Tu e eu, tu e cada um de nós, tu connosco, porque é essa a única forma de sermos uma família, para sempre. Eterno é também o nosso amor por ti e as recordações de tantas vivências conjuntas. Estiveste sempre lá para nós e essa entrega foi mútua. Sentíamos que eras grata pelos nossos gestos de carinho, mas esperamos que saibas que esses gestos eram o mínimo que podíamos fazer como reconhecimento pela tua amizade, pelo teu companheirismo que foi sempre o mais leal e sincero possível. Puro, como o teu coração. Esse teu lindo coração que enternecia qualquer pessoa que te conhecia. Esse coração sensível e meigo. E como tenho saudades desse coração, minha Tátazinha...
Não gosto quando me dizem que a vida começa e acaba para os animais, da mesma forma que acontece com as pessoas. Bem sabes que não gosto nada que me apresentem justificações baseadas em verdades universais, principalmente nestas alturas. Que a vida começa e depois um dia acaba já eu sei, não preciso que estejam constantemente a repeti-lo. Também sei que estavas doente há algum tempo e que "muito tempo aguentaste" com os teus problemas de saúde. Mas, e por isso, devo ficar menos triste quando uma das minhas companheiras de vida deixa de habitar o mesmo mundo que eu? Devo aceitar sem questionar tudo isto? A existência, os momentos, as recordações... Devo juntar tudo, guardar numa caixa e seguir em frente? Sabes que não sou assim. Sabes que não acredito que alguém consiga amar assim.
Este ano foi difícil. Lidar com a ausência é uma coisa, lidar com o fim da existência é outra. É o fim. Continuo a lembrar-me de ti todos os dias, sem deixar de lado os mais pequenos pormenores, porque sei que te perdi e que nunca mais vou saber o que é dividir este mundo contigo. Mas relembro-me de ti e dos nossos momentos diariamente porque se há algo que percebi ao longo deste ano é que mais triste do que perder é esquecer. E eu não quero que esqueças que te amo, minha amiga. Amo-te da única foma que sei: com tudo o que sou.
Sinto que a saudade é eterna e, ainda assim, sei que não posso pedir-te que voltes. Partiste e não há volta a dar. Partiste e até hoje me dizem "acabou, esquece isso". Como se de um "foi tudo muito bonito mas acabou" se tratasse. Como se bastasse adoptar um animal novo, que tudo voltaria a ser o que era. Errado. Sinceramente, nem percebo como é que alguém acredita nisso! Sei que vou ter outros animais, que vou amá-los e que eles vão tornar-se meus amigos também. Mas tu sabes, tal como eu sei e como toda a nossa família sabe, que é difícil amar assim, com esta entrega e preocupação, com este carinho. No fundo, amar como ainda hoje te amo: como se nos tivéssemos visto há dez minutos, quando fui fazer-te festinhas ao ninho porque passas o dia todo a dormir e já mal consegues levantar-te.
Não sabes ler, estou ciente, mas podes ouvir. Sei que nesse prado verdejante onde corres com a Bolinhas - e onde dormes milhentas horas também porque isso está no teu ADN - consegues ouvir-me a ler esta carta só para ti, com um amor que misturado com tamanha saudade se traduz em lágrimas. É duro estar triste, mas ter saudades é devastador. Preparam-nos para tanta coisa na vida, inclusive para a perda, mas ainda ninguém percebeu que precisamos de ser preparados para a dimensão que a saudade pode atingir. Dou por mim a rezar por mais um momento contigo, ainda que este não seja mais do que ver-te ao longe. Só quero ver onde estás, porque sei que estás. Serás sempre parte de nós.
O nosso amor é eterno, Táta.
Da tua família.