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Few days on land

Um retrato do dia-a-dia de uma jovem de viagens quase sempre musicais e nem sempre coloridas.

Ainda sobre a questão dos níveis da falta de respeito deste mundo...

Esta manhã, mais uma situação de falta de respeito que comprova o que escrevi ontem.

 

O motorista de um autocarro da Carris não permitiu a saída de uma senhora com mobilidade extremamente reduzida pela saída da frente. A senhora pediu, com toda a educação, para além de já ser uma senhora conhecida dos motoristas por sair naquela paragem, àquela hora. O motorista recusou e a senhora que não queria causar transtorno às pessoas que iam no autocarro ainda apressou o passo dentro dos seus possíveis para sair rapidamente, o que me causou grande desconforto porque percebi que a senhora estava a ir além das suas possibilidade motoras para permitir que o autocarro seguisse viagem logo que possível. Ora bem... Até hoje nunca tinha visto nenhum motorista recusar-lhe a saída pela porta da frente do autocarro. Mas como hoje presenciei esta cena de falta de educação, respeito e civismo, decidi ir perguntar ao (senhor) motorista porque é que não permitiu que a senhora saísse por aquela porta (não estava ninguém para entrar no autocarro naquela paragem, ainda por cima, não causaria confusão de entradas/saídas). Ele responde-me: "se a senhora cair ao descer pela porta da frente de quem é a culpa?". E eu perguntei: "e se a senhora cair ao descer pela porta de trás?". O senhor repetiu a pergunta que tinha feito inicialmente e eu só lhe disse: "vocês são incríveis" (entenda-se: vocês pessoas que não respeitam os outros). Por favor, expliquem-me a diferença de responsabilidades nas portas de descida dos autocarros que eu não estou a perceber. Juro. Se eu sair pela porta da frente e cair é culpa da Carris, se eu sair pela porta de trás e cair é da pessoa que ia à minha frente, da pessoa que continua sentada no banco do autocarro ou minha, mas nunca da Carris, é isso? Eu não compreendo como é que as pessoas podem ter ações destas e continuar o seu trabalho como se nada fosse. Não compreendo. Algumas pessoas que iam no autocarro ficaram indignadas mas só disseram algo depois de eu ir lá (e disseram-me a mim, não ao motorista como devia ser). Sinceramente é por isto que acredito que o problema está na falta de respeito, na falta de humanidade. As pessoas não têm bom senso. Nem bom, nem mau. Não têm, simplesmente. E isto logo pela manhã.

O problema não é a falta de humildade, mas sim de humanidade

Poder, estatuto ou muito dinheiro na conta ao fim do mês não cativam respeito. Estes "atributos" interferem com o carácter das pessoas mas só vão interessar a quem os procura, a quem quer alcançá-los. Repito: não comprovam o bom carácter, apenas um carácter muito próprio. Nos últimos tempos vivi e assisti a um conjunto de situações/comportamentos limite no trabalho que me têm feito refletir muito sobre a necessidade que as pessoas têm de agarrar-se a este tipo de "atributos" (para quem os considere) só para prejudicar outras pessoas. E o facto de terem de ser ocultados/abafados por títulos e cargos cansa-me. De verdade. Cansa-me para além do tolerável já.

 

Durante os primeiros tempos acreditei que o problema era meramente falta de humildade, aquele típico "eu sou melhor que tu e tenho um umbigo bem mais importante do que o teu". Hoje posso afirmar que grande parte dos problemas que vejo à minha volta e que em certas coisas me envolvem resolviam-se com um pouco mais de humanidade. De olhar para os outros como seres humanos que são, sem vê-los como números apenas. Caramba, somos todos de carne e osso, passamos fases melhores e piores na vida, temos personalidades distintas, não somos obrigados a sentir e lidar com as coisas da mesma forma. As coisas não são ou preto ou branco. Só eu é que estudei variáveis? Sabem que as variáveis aplicam-se (é suposto com os graus todos de estudos que têm)? É assim tão difícil compreender isso ou, pelo menos, ter isso em atenção quando abordam determinados assuntos? Nos últimos tempos, a grande questão que coloco é: mas será que esta(s) pessoa(s) não tem(têm) filhos(as), pais/mães, irmãos/irmãs, avôs/avós, amigos/amigas... Nem que seja primos em 3.º e 4.º grau? Será que esta(s) pessoa(s) não se revêem em mais ninguém? Mas de onde é que vem este sentimento de autoridade?

 

Sinceramente, a forma como as pessoas lidam com os problemas ultimamente intriga-me. Eu chego a pensar que já não há solução neste mundo. Tudo (ou apenas as questões que lhes interessam) se resolve a olhar para o lado, a fingir que não se vê que está ali alguém que também é merecedor da nossa compreensão e respeito. Ignoram-se factores preponderantes na vida das pessoas, ignoram-se as personalidades, os pensamentos, as opiniões. Com o poder, não importa se determinada decisão vai impactar e até que ponto pode afectar a vida de alguém. Isto de ter poder sobre algo e/ou alguém é demasiado forte numa sociedade como a nossa. E, quais poderes ditatoriais, as decisões tomam-se e mais nada há a acrescentar. É a última palavra. Ninguém tem direito de replicar, responder, explicar. Isto do poder dá-lhes a oportunidade de pensarem que as pessoas lhes devem alguma coisa. Ora vamos lá ver... Nos casos específicos a que me refiro: NINGUÉM vos deve nada, por mais que o vosso ego diga o contrário. Façam o vosso trabalho, respeitem os outros se querem ser respeitados e pensem que as vossas ações têm impacto na vida da(s) pessoa(s) em questão e das pessoas que as rodeiam. 

 

Este maltratar e desconsiderar constante com base em estatutos e poder (monetário inclusive) irrita-me solenemente. A mim e a todos que passam por situações semelhantes diariamente mas que calam porque assim tem de ser ou então haveria consequências. Somos todos iguais e mais nada. Não há nada pior do que querer ganhar respeito através da repressão. E não vão conseguir. Hoje é um daqueles dias em que chego a casa e sei que não vou conseguir descansar como devia porque assisti a mais uma destas situações. Mas sei que ainda me importo com os outros e com os seus sentimentos. E isso dá-me a paz que falta às espécies de ditadores deste mundo. Coragem que amanhã é outro dia.

 

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Minha estrela, meu céu azul

Querida Tátazinha, 

 

Partiste há um ano e ainda assim os meses, os dias, as horas, os minutos e os segundos não passaram. Aqui estou: no mesmo local, ainda a escrever e a ouvir a notícia da tua passagem vezes e vezes sem conta a ecoar na minha cabeça. Tudo o que se seguiu foi a personificação do pânico, do medo de imaginar um mundo sem ti e ao mesmo tempo tentar compreender a tua ausência. Não compreendi e até hoje não acredito num futuro em que possa compreendê-la. Recordo a minha imediata preocupação em lembrar-te nos teus melhores e piores momentos, nos teus mais pequenos pormenores. Eras pequenina, é verdade. Mas poderia passar um dia inteiro a enumerar os múltiplos pormenores que durante os 14 anos da tua existência te tornaram num dos melhores seres vivos que já habitou este planeta.

 

De verdade, nunca conheci nenhum ser vivo com uma capacidade de exposição solar tão grande. Se deixássemos ficavas 24 horas ao sol (mais horas houvesse). O teu grande problema sempre foi o sono, mas tu fazias tudo ao mesmo tempo. Fora se série, portanto. Eras a cadela dos sete ofícios: ladravas, mostravas os teus dentinhos de plástico a duas/três pessoas por dia (inclusivé donos, para as típicas brincadeiras de uma mini cadela), perseguias moscas, brincavas com a tua grande amiga Bolinhas, sabias perdir comida como ninguém e eras um excelente garfo - aliás, não só o garfo mas também a faca... Lá isso comias de tudo. O verbo era comer, o quê não interessava nada. Lado a lado com este verbo, estava o do sétimo ofício, e aquele que mais prezavas: dormir.  

 

Ao longo deste tempo, enquanto processo a tua perda, tenho tentado tranquilizar a minha consciência, acreditando que fiz tudo o que podia por ti. Sei que os restantes elementos da nossa família lutaram por ti e pela tua sobrevivência até ao teu último suspiro. Mas o facto de estar tão longe e de saber que não estive presente e não pude ajudar, não se resolve comigo. Não há pontos positivos em estar praticamente todo o ano tão longe de casa, isso é certo. É nesses momentos que recordo o nosso momento de despedida, aquele momento em que tive a certeza de que seria a última vez que olharia para os teus pequenos e tão belos olhos. Sei que sentiste o mesmo e acredito que tenhas percebido que a ideia de viver sem ti era insuportável, como ainda é. Desculpa minha pequenina. Desculpa eu não saber viver comigo sem ti.

 

Sempre que falo de ti, falo no plural. Nós. Seremos sempre nós. Tu e eu, tu e cada um de nós, tu connosco, porque é essa a única forma de sermos uma família, para sempre. Eterno é também o nosso amor por ti e as recordações de tantas vivências conjuntas. Estiveste sempre lá para nós e essa entrega foi mútua. Sentíamos que eras grata pelos nossos gestos de carinho, mas esperamos que saibas que esses gestos eram o mínimo que podíamos fazer como reconhecimento pela tua amizade, pelo teu companheirismo que foi sempre o mais leal e sincero possível. Puro, como o teu coração. Esse teu lindo coração que enternecia qualquer pessoa que te conhecia. Esse coração sensível e meigo. E como tenho saudades desse coração, minha Tátazinha... 

 

Não gosto quando me dizem que a vida começa e acaba para os animais, da mesma forma que acontece com as pessoas. Bem sabes que não gosto nada que me apresentem justificações baseadas em verdades universais, principalmente nestas alturas. Que a vida começa e depois um dia acaba já eu sei, não preciso que estejam constantemente a repeti-lo. Também sei que estavas doente há algum tempo e que "muito tempo aguentaste" com os teus problemas de saúde. Mas, e por isso, devo ficar menos triste quando uma das minhas companheiras de vida deixa de habitar o mesmo mundo que eu? Devo aceitar sem questionar tudo isto? A existência, os momentos, as recordações... Devo juntar tudo, guardar numa caixa e seguir em frente? Sabes que não sou assim. Sabes que não acredito que alguém consiga amar assim.    

 

Este ano foi difícil. Lidar com a ausência é uma coisa, lidar com o fim da existência é outra. É o fim. Continuo a lembrar-me de ti todos os dias, sem deixar de lado os mais pequenos pormenores, porque sei que te perdi e que nunca mais vou saber o que é dividir este mundo contigo. Mas relembro-me de ti e dos nossos momentos diariamente porque se há algo que percebi ao longo deste ano é que mais triste do que perder é esquecer. E eu não quero que esqueças que te amo, minha amiga. Amo-te da única foma que sei: com tudo o que sou.

 

Sinto que a saudade é eterna e, ainda assim, sei que não posso pedir-te que voltes. Partiste e não há volta a dar. Partiste e até hoje me dizem "acabou, esquece isso". Como se de um "foi tudo muito bonito mas acabou" se tratasse. Como se bastasse adoptar um animal novo, que tudo voltaria a ser o que era. Errado. Sinceramente, nem percebo como é que alguém acredita nisso! Sei que vou ter outros animais, que vou amá-los e que eles vão tornar-se meus amigos também. Mas tu sabes, tal como eu sei e como toda a nossa família sabe, que é difícil amar assim, com esta entrega e preocupação, com este carinho. No fundo, amar como ainda hoje te amo: como se nos tivéssemos visto há dez minutos, quando fui fazer-te festinhas ao ninho porque passas o dia todo a dormir e já mal consegues levantar-te.

 

Não sabes ler, estou ciente, mas podes ouvir. Sei que nesse prado verdejante onde corres com a Bolinhas - e onde dormes milhentas horas também porque isso está no teu ADN - consegues ouvir-me a ler esta carta só para ti, com um amor que misturado com tamanha saudade se traduz em lágrimas. É duro estar triste, mas ter saudades é devastador. Preparam-nos para tanta coisa na vida, inclusive para a perda, mas ainda ninguém percebeu que precisamos de ser preparados para a dimensão que a saudade pode atingir. Dou por mim a rezar por mais um momento contigo, ainda que este não seja mais do que ver-te ao longe. Só quero ver onde estás, porque sei que estás. Serás sempre parte de nós.

 

 

O nosso amor é eterno, Táta.

Da tua família.

 

 

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