Quem me conhece sabe (quem lê regularmente o Few days on land também já deve saber) que desde que sei que o meu futuro tinha de estar ligado à comunicação, tive por ideal ser jornalista. O meu objectivo, depois da universidade, era trabalhar em jornalismo impresso. Mas - e muitas vezes os sonhos limitam-se por um 'mas' - um dia percebi que o jornalismo é muito menos livre do que parece. Ou melhor, do que transparece. Embora a ideia "vendida" nos cursos superiores seja outra. Da forma como o "pintam", o jornalismo é uma profissão de sonho. As regalias de ser livremente criativo e poder olhar o mundo desisteressadamente, ao que parece.
Ao longo dos últimos anos, foram vários os eventos em Portugal que me fizeram duvidar de que o jornalismo seja uma profissão livre, que conjugue no seu exercício o respeito pelos direitos e deveres de cada um mas que dê primazia à liberdade de expressão. Embora se pense muitas vezes que "lá fora isto não acontece", que até isto "faz muito parte do típico ser português" e que Portugal tem atitudes que o transformam num país eternamente posto à margem do jornalismo de excelência exercido nas principais capitais europeias, os acontecimentos do passado dia 7 de Janeiro no semanário satírico francês Charlie Hebdo são prova de que o jornalismo está ameaçado um pouco por todo o mundo. Uma prova clara, infelizmente.
No seguimento do que disse antes, se há direito que valorizo é este: Liberdade de expressão. Parece tão simples e indefeso. Afinal, trata-se de poder divulgar livremente ideias ou opiniões que, embora possam não ser comummente aceites por todos, atestam uma e só uma coisa: a forma como vemos o mundo. Mas este é, acima de tudo, um direito perigoso ou, por outras palavras, um direito que nos tem dado direito a muito pouco. E os franceses perceberam-no da pior forma possível. Infelizmente, Paris teve de adaptar-se a essa realidade muito rapidamente. O mundo abriu os olhos para esta questão, mas é em Paris que se percebe como este acontecimento foi marcante. São notórias as medidas extremas de segurança, polícia em todos os cantos da cidade, pessoas desconfiadas de tudo e todos, câmaras em qualquer lugar ou forças policiais preparadas para responder às ameaças. E qualquer ameaça é levada a sério. Muito a sério.
Como fica claro com este texto, fiquei muito sensibilizada com o que se viveu por lá e que começou numa simples redacção de jornal. Por ocasião da minha passagem por Paris resolvi conhecer aquela zona e o local onde tudo se passou. Calmo, silencioso e rotineiro, são as palavras que descrevem a impressão com que fiquei do local. A primeira coisa que se pensa é: como é que um massacre pode ocorrer aqui? Como é que algo daquela dimensão acontece neste espaço, literalmente no meio de vários prédios residenciais? Possivelmente parece-vos que estas perguntas poderiam obter o mesmo tipo de resposta. Mas dei por mim a questionar-me sobre isto, desta forma, várias vezes.
Paris recorda - e não esquecerá nunca - o acontecimento, as vítimas e o neutralizar da liberdade de expressão. São lembrados constamente de tudo pelo que passaram. Há mensagens, murais, grafittis do mote que dava voz a quem não conseguia falar sobre o sucedido, 'Je Suis Charlie'... São várias as manifestações de saudade espalhadas por toda a cidade. Há lembranças que nunca desaparecem, algumas delas com muita pena nossa. Esta é uma dessas lembranças.
Li um texto impressionante de Niels Ivar Larsen, um jornalista dinamarquês que participava no debate sobre a liberdade de expressão, em Copenhaga, planeado pelo cartoonista Lars Vilks, onde ocorreu mais um tiroteio ao 'estilo' do ocorrido em França, em Janeiro. Achei que o devia partilhar convosco. Li este artigo no The Guardian, embora o texto seja originalmente do jornal dinamarquês Information, do qual Larsen é editor. Um texto tão bem escrito, momentos tão agoniantes muito bem descritos. Um texto estruturado e sentido. Emocionante.
"Here I sit in my wretched hiding place behind a black curtain, clenching on to a round coffee table – a makeshift shield made of plastic that’s hard, but surely not hard enough. This is not the death I would wish for. Is this really how it ends?
(...)
The fight for freedom of speech has always been the most important thing for me. But was it really meant to be that I would die for it? Martyrdom is for fanatics, not democrats. Imagine dying for an ugly drawing of a Swedish dog with a prophet’s face. What an absurd reason to die. What an absurd reason to kill.
Like a fool I hold my coffee table shield in front of me, knowing it will not provide any protection whatsoever if the perpetrator – or could there be more than one? – forces himself into the hall and starts shooting, as he has done outside. Then it will surely be over. Like Charlie Hebdo’s editorial staff, we are all helpless victims in this room. We are sitting ducks. How painful is it to be riddled with bullets? How long does it take to die? What will become of my girlfriend? What will become of my son?
(...)
Many head towards the back entrance, others find cover behind chairs and desks, but where is shelter? Where are the hiding places? Nowhere. Here, there is no safety, absolutely none at all.
(...)
It was not a bad dream, not a stupid film. Terror has hit, it has hit Copenhagen, it has hit us all right in the heart. The question is, how long will this nightmare last?"
Na semana passada aproveitei a comemoração do 25 de Abril para agradecer o facto de existir Liberdade de expressão, informação e imprensa em Portugal. Aproveito o Dia Internacional da Liberdade de Imprensa para reafirmar o agradecimento. No entanto, hoje quero destacar o facto de Portugal ter subido cinco lugares no índice de Liberdade de Imprensa divulgado pela organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF). Finalmente estamos a subir numa lista e não foi necessário que esta mencionasse dívidas, impostos cobrados ou desemprego, por exemplo, o que é de assinalar e louvar!
Pode consultar a lista com os resultados da análise a 179 países e que é liderada pela Finlândia na página dos Repórteres Sem Fronteiras. Nesta página irá também encontrar a lista com os nomes daqueles que a RSF considera serem os maiores "predadores da liberdade de imprensa" no mundo. Alguns deles tiveram até direito a cartazes expalhados por Paris para não serem esquecidos e servindo de exemplo como é o caso de Vladimir Putin ou Kim Jung-Un (na imagem em baixo).
(imagem retirada da página da organização dos Repórteres Sem Fronteiras)
O jornal Público publicou na sua página um vídeo da colagem dos cartazes que pode ser visto aqui.
Hoje celebramos os 39 anos do 25 de Abril, o golpe de Estado que, em 1974, valeu a vitória do nosso orgulho e da nossa força enquanto povo, enquanto país, erradicando a ditadura que nos aprisionou por mais de 40 anos. Portugal tornava-se um país livre e democrático (embora esta questão seja frequentemente discutida e essa liberdade, muitas vezes, posta em causa). É nosso dever agradecer a quem lutou para que hoje pudéssemos dizer: sou livre! Embora considere que podemos apenas dizer que a nossa liberdade é relativa.
Pessoalmente agradeço por quem lutou para que os jornalistas tivessem a possibilidade de exercer a sua profissão com recurso à liberdade de expressão. Considero que existe, de verdade, essa possibilidade mas que ela nem sempre é tida em conta. Porquê? Na minha opinião, há quem se deixe corromper por outros valores (como valores monetários, por exemplo) ou quem escolha ceder a pressões (políticas, institucionais...). É pena que existam tantos interesses a ser movidos em volta das questões da sociedade, o que acaba por interferir, mais do que se possa pensar, com a informação que recebemos.
Assim, e como aspirante a jornalista, muito obrigado pela Liberdade de expressão e informação (Artigo 37º da Constituição da República Portuguesa) e pela Liberdade de Imprensa e meios de comunicação social (Artigo 38º da Constituição da República Portuguesa).
1. Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações.
2. O exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura.
(25 de Abril de 1974, Largo do Carmo, Lisboa)
(Uma das fotografias mais conhecidas e que mais vezes aparecia nos manuais de História, no que ao 25 de Abril diz respeito, durante o meu tempo de estudante)
A "Revolução dos Cravos", como ficou conhecida, é a prova que o destino dos portugueses não está nas mãos de um ou dois mas sim de quem luta, todos os dias, para que o país "funcione". Embora, o esforço de todos não esteja, de momento, a ser considerado pelo Governo de Portugal, temos de continuar a lutar, porque tempos mais positivos estão para vir e a nossa força vai ajudar-nos a sobreviver.