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Few days on land

Um retrato do dia-a-dia de uma jovem de viagens quase sempre musicais e nem sempre coloridas.

Ainda sobre a questão dos níveis da falta de respeito deste mundo...

Esta manhã, mais uma situação de falta de respeito que comprova o que escrevi ontem.

 

O motorista de um autocarro da Carris não permitiu a saída de uma senhora com mobilidade extremamente reduzida pela saída da frente. A senhora pediu, com toda a educação, para além de já ser uma senhora conhecida dos motoristas por sair naquela paragem, àquela hora. O motorista recusou e a senhora que não queria causar transtorno às pessoas que iam no autocarro ainda apressou o passo dentro dos seus possíveis para sair rapidamente, o que me causou grande desconforto porque percebi que a senhora estava a ir além das suas possibilidade motoras para permitir que o autocarro seguisse viagem logo que possível. Ora bem... Até hoje nunca tinha visto nenhum motorista recusar-lhe a saída pela porta da frente do autocarro. Mas como hoje presenciei esta cena de falta de educação, respeito e civismo, decidi ir perguntar ao (senhor) motorista porque é que não permitiu que a senhora saísse por aquela porta (não estava ninguém para entrar no autocarro naquela paragem, ainda por cima, não causaria confusão de entradas/saídas). Ele responde-me: "se a senhora cair ao descer pela porta da frente de quem é a culpa?". E eu perguntei: "e se a senhora cair ao descer pela porta de trás?". O senhor repetiu a pergunta que tinha feito inicialmente e eu só lhe disse: "vocês são incríveis" (entenda-se: vocês pessoas que não respeitam os outros). Por favor, expliquem-me a diferença de responsabilidades nas portas de descida dos autocarros que eu não estou a perceber. Juro. Se eu sair pela porta da frente e cair é culpa da Carris, se eu sair pela porta de trás e cair é da pessoa que ia à minha frente, da pessoa que continua sentada no banco do autocarro ou minha, mas nunca da Carris, é isso? Eu não compreendo como é que as pessoas podem ter ações destas e continuar o seu trabalho como se nada fosse. Não compreendo. Algumas pessoas que iam no autocarro ficaram indignadas mas só disseram algo depois de eu ir lá (e disseram-me a mim, não ao motorista como devia ser). Sinceramente é por isto que acredito que o problema está na falta de respeito, na falta de humanidade. As pessoas não têm bom senso. Nem bom, nem mau. Não têm, simplesmente. E isto logo pela manhã.

O problema não é a falta de humildade, mas sim de humanidade

Poder, estatuto ou muito dinheiro na conta ao fim do mês não cativam respeito. Estes "atributos" interferem com o carácter das pessoas mas só vão interessar a quem os procura, a quem quer alcançá-los. Repito: não comprovam o bom carácter, apenas um carácter muito próprio. Nos últimos tempos vivi e assisti a um conjunto de situações/comportamentos limite no trabalho que me têm feito refletir muito sobre a necessidade que as pessoas têm de agarrar-se a este tipo de "atributos" (para quem os considere) só para prejudicar outras pessoas. E o facto de terem de ser ocultados/abafados por títulos e cargos cansa-me. De verdade. Cansa-me para além do tolerável já.

 

Durante os primeiros tempos acreditei que o problema era meramente falta de humildade, aquele típico "eu sou melhor que tu e tenho um umbigo bem mais importante do que o teu". Hoje posso afirmar que grande parte dos problemas que vejo à minha volta e que em certas coisas me envolvem resolviam-se com um pouco mais de humanidade. De olhar para os outros como seres humanos que são, sem vê-los como números apenas. Caramba, somos todos de carne e osso, passamos fases melhores e piores na vida, temos personalidades distintas, não somos obrigados a sentir e lidar com as coisas da mesma forma. As coisas não são ou preto ou branco. Só eu é que estudei variáveis? Sabem que as variáveis aplicam-se (é suposto com os graus todos de estudos que têm)? É assim tão difícil compreender isso ou, pelo menos, ter isso em atenção quando abordam determinados assuntos? Nos últimos tempos, a grande questão que coloco é: mas será que esta(s) pessoa(s) não tem(têm) filhos(as), pais/mães, irmãos/irmãs, avôs/avós, amigos/amigas... Nem que seja primos em 3.º e 4.º grau? Será que esta(s) pessoa(s) não se revêem em mais ninguém? Mas de onde é que vem este sentimento de autoridade?

 

Sinceramente, a forma como as pessoas lidam com os problemas ultimamente intriga-me. Eu chego a pensar que já não há solução neste mundo. Tudo (ou apenas as questões que lhes interessam) se resolve a olhar para o lado, a fingir que não se vê que está ali alguém que também é merecedor da nossa compreensão e respeito. Ignoram-se factores preponderantes na vida das pessoas, ignoram-se as personalidades, os pensamentos, as opiniões. Com o poder, não importa se determinada decisão vai impactar e até que ponto pode afectar a vida de alguém. Isto de ter poder sobre algo e/ou alguém é demasiado forte numa sociedade como a nossa. E, quais poderes ditatoriais, as decisões tomam-se e mais nada há a acrescentar. É a última palavra. Ninguém tem direito de replicar, responder, explicar. Isto do poder dá-lhes a oportunidade de pensarem que as pessoas lhes devem alguma coisa. Ora vamos lá ver... Nos casos específicos a que me refiro: NINGUÉM vos deve nada, por mais que o vosso ego diga o contrário. Façam o vosso trabalho, respeitem os outros se querem ser respeitados e pensem que as vossas ações têm impacto na vida da(s) pessoa(s) em questão e das pessoas que as rodeiam. 

 

Este maltratar e desconsiderar constante com base em estatutos e poder (monetário inclusive) irrita-me solenemente. A mim e a todos que passam por situações semelhantes diariamente mas que calam porque assim tem de ser ou então haveria consequências. Somos todos iguais e mais nada. Não há nada pior do que querer ganhar respeito através da repressão. E não vão conseguir. Hoje é um daqueles dias em que chego a casa e sei que não vou conseguir descansar como devia porque assisti a mais uma destas situações. Mas sei que ainda me importo com os outros e com os seus sentimentos. E isso dá-me a paz que falta às espécies de ditadores deste mundo. Coragem que amanhã é outro dia.

 

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Festival da Canção: o meu top 3

Depois de ouvidos os temas da 1.ª e da 2.ª semifinal do Festival da Canção e de apurados os temas para a final de Guimarães, defini um pequeno top com as que considero serem as três melhores músicas e interpretações. É óbvio que tenho uma preferência (para que seria um top numerado se assim não fosse), mas desde que o artista selecionado para nos representar seja um dos três que identifico ficarei feliz.

 

Número 1: janeiro, "(sem título)"

Digam que ele é igual ao Salvador, eu vou contradizer-vos. Digam que ele tenta imitá-lo, mais depressa o faço. Inspirações existem, ídolos existem, amigos com os quais nos identificamos e com quem partilhamos características da nossa personalidade também. Salvador Sobral existe um, tal como janeiro. 

A existência em palco é completamente diferente, a música é ainda mais "despida" de arranjos instrumentais. A voz é doce e o acento é maravilhoso. Janeiro, um rapaz de fato-macaco, sentado numas escadas, com auriculares nos ouvidos, um ar de nerd e uma fita na cabeça a tocar guitarra e a cantar-nos ao ouvido um poema brilhante sobre como o amor pode ser tão maior do que 10 Lisboas (não podia concordar mais!). Um representante que menciona Lisboa na canção quando a Eurovisão acontece pela primeira vez em Portugal. Querem diferente de Salvador? Aí o têm. Dispenso outros episódios de bastidores que nada têm a ver com o que devíamos estar aqui a julgar: canções. Tenho dito. 

 

 

 

Número 2: Cláudia Pascoal/Isaura, "O Jardim"

Foi a primeira coisa que disse esta manhã no Facebook do Few days on land: fazia falta na final uma canção que fosse verdade, cor e movimento em três minutos. E, mais importante, mantendo a sensibilidade da interpretação e da letra. Cláudia Pascoal e Isaura conseguiram-no. A verdade é a da letra, uma história real, uma despedida sentida. A cor dos pormenores melódicos que na voz da Cláudia ficam incríveis. E o movimento dos acordes e arranjos. Quem disse que uma música de despedida não pode ter um ritmo marcado e distinto? Esta música tem voz, letra, música e interpretação na dose certa e por isso funciona tão bem. Emocionei-me.

 

 

 

Número 3: Diogo Piçarra, "Canção do Fim"

O talento do Diogo é indiscutível, tanto como cantor como enquanto letrista. Soube construir uma carreira depois de participar num talent show, encontrou um público fiel e é hoje um dos mais acarinhados músicos pop portugueses. Se não fosse por mais nada, por aquilo que alcançou já seria um digno representante. Mas depois aparece-nos com a "Canção do Fim" e anexa outra justificação à escolha. Estava à espera de mais, confesso. Algo com um ritmo mais marcado, mas que não perdesse a capacidade de emocionar-nos a todos. O Diogo faz isso muito bem. A música "Verdadeiro" é um claro exemplo de uma canção que consegue mostrar toda a amplitude vocal de Diogo Piçarra e ao mesmo tempo envolver-nos na história que é contada. 

A "Canção do Fim" é belíssima. Com todo o sentimento da interpretação e com os instrumentais pauta pela diferença (foi também o que convenceu na vitória do Salvador no ano passado). Eu entendo a mensagem que o Diogo quis passar mas acho que se torna repetitiva no contexto da Eurovisão, falando deste ano em específico (não sei se já ouviram falar da mensagem da música italiana?). Sinceramente, não acho que seja das melhores letras do Diogo. E não me fez sentido ele estar sentado no meio dos músicos. Bancos a girar? Ora apetece estar de perfil, ora de frente... Acho que devem pensar numa forma melhor de arranjar o palco para a final. A voz é incrível? É sim senhor. A melodia é boa q.b., mas esperava mais. Ainda assim, dentro das opções, parece-me uma boa escolha para a Eurovisão.   

 

 

 

Só mais uma coisa... Percebo que nesta altura ainda seja uma escolha que depende de quem consegue comunicar mais com o público, de quem passa melhor a mensagem ou de quem tem a música que emociona, sensibiliza ou simplesmente chama mais à atenção. Mas, sinceramente, acho que depois de selecionada a música vencedora devemos apoiá-la e não lançar críticas e ataques nas redes sociais porque isso é que não nos vai ajudar a ganhar de certeza. No ano passado, o vídeo do Salvador esteva repleto de críticas de portugueses e depois foi o que foi. Sinceramente, não acredito que ganhemos. Não tem nada a ver com a qualidade das músicas, tem a ver com outros factores. Este é o meu top, mas vou estar a ver e a torcer pelo nosso representante. 

Playlist 100 músicas de 2017 // Few days on land

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Este ano decidi formar uma única playlist com músicas tanto nacionais como internacionais que foram importantes e que impactaram o meu 2017 por serem as melhores do ano. O objetivo nunca foi ter 50/50 de representação nacional/internacional. A intenção foi escolher entre as músicas mais ouvidas e as mais supreendentes, mas as melhores. Daí que o que vão encontrar não teve limitações de género musical ou outro, de país de origem e de relevância do artista/banda no meio. A única limitação foi não escolher mais do que uma música de cada artista/banda (só dos melhores álbuns do ano escolhia praticamente o disco inteiro se assim fosse). Para além disso tive também de limitar a 100 músicas porque inicialmente seriam 50 mas não sou uma pessoa de resumos - risos - e portanto quando vi que a playlist estava a chegar às 100, parei. São mais de 6 horas de música (são praticamente 7, mas pronto...) para lembrar que 2017 foi uma riqueza no que à música diz respeito.

 

Nesta playlist podem encontrar nomes mais consagrados, como é o caso dos primeiros Susanne Sundfor (autora do melhor disco do ano), Kendrick Lamar (que não ficou longe disso), assim como os The xx, os Portugal. The Man, os alt-J, as HAIM ou os London Grammar, por exemplo; mas podem também conhecer ou voltar a ouvir artistas que, neste caso, descobri com a ajuda do Spotify e do Youtube em 2017, como Lewis Capaldi, SYML, Criolo, Rationale, entre outros que levo comigo para o futuro.

 

Relativamente a artistas portugueses, a playlist conta com nomes como D'Alva, Manuel Fúria e os Náufragos, Salvador Sobral, Surma, Tiago Bettencourt, Alexander Search e mais.

 

 

PLAYLIST 100 Músicas de 2017:

 

Gostaram das minhas escolhas? Se sim, consultem a playlist no Spotify e guardem-na para mais tarde recordar. De qualquer forma, falem-me das vossas músicas favoritas do ano. Digam-me quais as surpresas, quais as deceções e que música falta nesta lista (se for caso disso). Espero o vosso feedback.

 

Que 2018 seja tão bom ou ainda melhor do que 2017!

O melhor de 2017: álbum do ano // Few days on land

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Susanne Sundfor. É ela a artista do ano. É dela o melhor disco de 2017.

 

Music For People In Trouble foi lançado em setembro mas Susanne já havia apresentado uma das faixas em 2016, numa gala de prémios. "The Sound Of War" já fazia prever um disco marcante, com uma melodia que nos traz à memória canções medievais e a voz frágil - os agudos são muito bem conseguidos mas a voz é fina e portanto pode parecer-nos frágil mas rapidamente percebemos que é uma voz muito poderosa. A apresentação da música decorreu numa noite em que a norueguesa foi galardoada com os prémios Álbum do Ano, Produtora do Ano e Melhor Artista Pop do Ano nos Norway's Spelleman Awards (os prémios correspondem ao ano de 2015 e mostram-nos que a qualidade elevada do trabalho da artista não é de 2017).

 

 

Na verdade, Music For People In Trouble começa com "Mantra", uma canção reflexiva em que guitarra dá conforto à voz melancólica e à entoação das palavras. Como uma canção de encantar, Susanne fala-nos ao ouvido numa letra muito ligada aos elementos. São feitas referências relacionadas com o elemento água: "looking down on a lagoon (...) I'm as mighty as a shark"; mas também com o elemento terra: "making all the flowers glow". A norueguesa refere-se também ao espaço quando se declara tão sortuda quanto a lua. No final da canção ouvem-se os sinos ao estilo dos casamentos reais (pelo menos foi isso que me fez lembrar). Na versão do disco, "The Sound Of War" abre com sons da natureza para depois aparecer então a canção um tanto medieval. Nota-se bem como foi tudo pensado ao pormenor.

 

As baladas seguem com "Reincarnation", na guitarra sempre com trejeitos e tempos marcados, as palavras arrastam-se na melodia que a letra ilumina com o retratar do estado do mundo, as questões que todos colocamos e sobre as quais Susanne quer refletir. "Good Luck Bad Luck" traz o piano às canções de embalar e apresenta-se como a música onde podemos conhecer mais sobre a voz da cantora e sobre o seu universo neste álbum. Há tempo para tudo: palavras mais marcadas intercaladas com fins de frases arrastados, agudos misturados com graves - ambos os registos desempenhados com distinção -, um canto entre o clássico e o lírico, e até um solo com inspiração jazz (tem contrabaixo e saxofone e está tudo dito).   

 

 

 

"Music For People In Trouble" é a canção que dá nome ao disco. Como já disse anteriormente, quando os discos têm nomes relacionáveis, é logo um ponto a favor. E penso que todos nós conseguimos olhar para o mundo e relacionar o que se passa à nossa volta (e tantas vezes connosco) com o nome do álbum. O início é parcialmente psicadélico, com ligeiras alusões ao electrónico. E uma voz fala. É a voz de Andres Roberts, amigo de Susanne Sundfor, que é montanhista e tem um projecto que consiste em preparar as pessoas para retiros na natureza (coisa para lidar sozinho com a natureza durante longos períodos de tempo). Mais uma vez a natureza é a base da canção. A flauta é chamada para abrilhantar o instrumental. Não há letra, mas daquilo que é dito no monólogo de Roberts fica este lindo entendimento: "we don't do life, we don't choose life, life does us". Bonito!

 

A música "Bedtime Story" pode parecer-nos mais uma canção de embalar (e pela voz seria) mas o que é certo é que a letra conta-nos uma história menos positiva. Ouve-se em "because I always meant it when I said it would go wrong/ because I always thought my life would be a sad song"; ou em "what am I but a bad story teller?". A melancolia aparece também em "and when the nights are cold and strange and all the birds are gone/ (...) I'll think about the time you reassured me you were mine". É de Susanne Sundfor um dos versos mais bonitos do ano, sobre o amor claro: "oh, what is love but a frail little dreamcatcher?". De notar ainda que o conhecimento musical desta cantora é impressionante, mais do que não seja porque traz ao álbum instrumentos que nem sempre ouvimos com a atenção que eles nos merecem, aqueles que muitas vezes não têm o espaço melódico devido para brilhar. E ela faz isto muito bem no disco. No caso de "Bedtime Story" é o clarinete, mas são vários os instrumentos que ganham visibilidade com Sundfor.

 

Segue-se a minha música favorita, "Undercover". É a letra, é a melodia, é o alcance vocal, é a energia e o sentimento... É uma grande canção, não se pode fugir a isto. A par de "Good Luck Bad Luck" é aquela que mais dá a conhecer as características vocais e artísticas de Susanne Sundfor, a acentuação, o piano melancólico e os agudos imponentes que são difíceis a qualquer ser humano, mas que são marca desta artista. Vale a pena ouvir e voltar a ouvir quando ela começa com a marcação dos versos finais da música, "it wouldn't even matter/ If you didn't even bother/ To be more than a lover/ It wouldn't even matter/ If I didn't even bother/ To believe in a forever, no". É uma belíssima composição musical.

 

 

A música que vem a seguir não se chama "Verdade Universal" mas devia porque "No One Believes In Love Anymore" é praticamente uma tradução para inglês de tal frase. "The world has gone off the hinges, and the spinning begins" é um dos versos que nos explicam porquê. "A downards spiral, punctured balloon/ disfigured and pale looking up at the moon/ up at the moon/ we’ll all get there soon" confirma a história. A flauta ajuda a melodia a levar-nos para o imaginário onde possamos refletir sobre os problemas e as questões sérias que enfrentamos diariamente. O solo de flauta no final é idílico. Talvez púdessemos encontrar solução para o mundo como está nos dias de hoje. Talvez.  

 

O fim aproxima-se. O disco não é muito extenso, tem apenas 11 canções. Fossem todas as 11 canções dos álbuns de 2017 como estas, com tanto conteúdo, e não saíamos daqui nem em 2020. Ficam a faltar duas músicas: a futurista "The Golden Age", que conta com uma voz off que não sei identificar (ainda que esta tenha letra para além do monólogo) e volta aos sons mais electrónicos, experimentais, psicadélicos que a certa altura são substituídos por uma melodia suave que traz de volta a melancolia, ainda que estejam no instrumental as inspirações "futuristas"; e a arcaica "Mountaineers", com John Grant (músico americano de indie rock) a entoar um cântico que nos lembra canto gregoriano e que só quando Susanne Sundfor começa a cantar começa a ser menos críptico. Repito: o alcance vocal desta artista é impressionante. O tom é bonito, mas o alcance vocal, algo entre o canto lírico e as inspirações pop que terá, é coisa para deixar uma pessoa absolutamente rendida à energia e ao sentimento que Susanne carrega na voz. Eu já gostava da voz dela, mas acho que neste disco está muito mais clara, definida, se posso dizer assim. Já para não falar da escrita das letras, que é de quem sabe das coisas do mundo. É de quem se inspira no que vê, no que sente. E isso para mim é mais de meio caminho andado, bem sabem. Ora atentem nos últimos versos de "Mountaineers": "what it is, what it means/ now I know, will never be what you need, no/ what we are, what we want, it will never change/ we will break through your walls, unstoppable". Isto é de quem sabe da vida, vivida e sonhada. Ponto.

 

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Quanto a Susanne Sundfor, acompanho o seu trabalho desde que lançou uma música com os M83 para a banda sonora do filme Oblivion, em 2013. Não vi o filme, não ouvi o resto da banda sonora porque o que ouvi chegou-me. A música foi-me sugerida porque eu gosto muito dos M83 mas o que me interessou mais foi aquela voz límpida e emocionante. Ainda por cima foram ao programa do Jimmy Kimmel apresentar a música e percebi que ela canta mesmo assim ao vivo. Depois fui ouvir os álbuns mais antigos e olhem... Fiquei sem palavras. Como dizem em inglês (só porque fica mais pomposo) breathtaking. Assim mais para dançar, a dupla norueguesa Röyksopp lançou uma música em colaboração com a Susanne que também gostei muito. Resumindo... Até hoje sou fã. 

 

O disco foi disponibilizado no Youtube de Susanne Sundfor. Já tiveram oportunidade de ouvi-lo? O que acharam?

 

Álbuns de 2017: The Death Of You & I, de Isaac Gracie

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Vozes como a de Isaac Gracie não aparecem todos os dias. Quando aparecem fazem a diferença, marcam-nos. Não sei se foi a força da voz ou a fragilidade dos sentimentos que descreve. Talvez saiba. Ambas coordenam-se muito bem e é muito difícil não sentir na mesma magnitude do artista. Mas de Isaac Gracie e da sua carreira até 2017 pouco mais há a escrever ou não estivesse já tudo escrito numa das mais recentes publicações do Few days on land.

 

Em 2017, sim, há algo tão importante e distintivo a apontar como o primeiro EP do músico. "The Death Of You & I", lançado a 29 de Setembro de 2017, é composto por quatro faixas: duas com um cunho mais grunge e duas mais identificadas com o rock em estado puro. Se estão a pensar como podem ouvir o disco, ao mesmo tempo que vão lendo o texto, digo-vos que não seria necessário comprar o EP uma vez que Isaac Gracie disponibilizou-o no Youtube e nas plataformas digitais (Spotify e etc.). Eu recomendo-o por ser um disco diferente de todos os que tenho ouvido e o que mais me surpreendeu este ano. É uma boa compra para os amantes de nova e boa música e para quem quer conhecer novos artistas que em breve serão referências.

 

"The Death Of You & I", a primeira faixa do EP (ou não fosse esta a música que dá nome ao disco, não é?) é apoteótica. A guitarra dá início a esta viagem, mas é a entoação de Isaac logo nas primeiras palavras, "Running into one another...", que arrepia. A rouquidão, percebe-se dois versos mais à frente, é apenas um dos dons do músico, que também impressiona com notas mais agudas. E as duas características, tão peculiares, misturadas no final de uma das frases, quando diz "no matter how you try"? Já estava apaixonada por este disco mas ainda uns segundos longe de imaginar que o refrão ia ser tão poderoso. E bastam sete palavras: "since the death of you and I". Sinceramente, não sei como é que a guitarra aguenta até ao fim da música... Mas, ainda sobre o refrão, querem mais grunge que isto? Fez-me lembrar uma e apenas uma pessoa (disse aqui quem é essa pessoa mas penso que vocês podem identificá-la facilmente). "The Death Of You & I" não termina sem ganhar um ritmo mais acelerado de bateria e guitarra que a certo ponto até parece samba (como assim? é ouvir para tirar as dúvidas). E o fim? Pois, a música termina de forma absolutamente apoteótica, servindo-se do refrão marcante para finalizar em beleza e com poder.

 

 

Quem acha que Isaac Gracie vai precisar de mais do que uma guitarra e uma voz única, engana-se logo ao início de "Silhouettes of You", uma canção mais calma. A conjugação da voz rouca com os agudos é ainda mais evidente com o instrumental em serviços mínimos, o que se mantém até depois do primeiro refrão, quando o instrumental fica mais completo com a bateria a marcar ritmo. Aqui a identificação com o género grunge chega mais marcada através das letras, ainda que mesmo assim sejam evidentes as influências do artista: o cansaço mistura-se com a saturação do momento que se vive em "my anxieties have promised me the worst is to come, so give up living for the life that you paid for"; ou o mundo que se construiu começa a desmoronar, "and all the lies I tried to live by start falling apart whoever knew that it could be so painful". Adoro a parte em que ele canta o verso "I'm sick of standing by your window tracing silhouettes of you". Parece-me tão profundo a nível sentimental, tão sofrido. De fazer chorar as pedras da calçada.  

 

 

Se achavam que faltava uma flauta para dar um ar mais oriental ao disco, ela chega em "One Night", uma das faixas alternativas, talvez a menos sofrida do EP, com um refrão que é rock no seu sentido mais puro. Nas letras, Isaac Gracie continua a referir-se a corações partidos, amores ameaçados, assassinatos na pista de dança ou falta de interesse no que e com quem se vive no presente. Se bem que no meio disto tudo, as verdades são mais que muitas, como quando canta "all the things you can't stop they're not worth the problems". Sigamos a dica. Posso só repetir que este refrão é fantástico e que a flauta faz toda a diferença nesta música? Que melodia, senhoras e senhores! Que melodia. E quando conjugada com as segundas vozes então... Nem há palavras para tamanho engenho e mestria na composição.

 

 

"Love (Ain't Always So Good)" é a última música do EP e começa, tal e qual uma canção de embalar, a surgir aos poucos. Abraça-nos, envolve-nos naquela voz sussurrada e rouca, acompanhada por uma guitarra e um piano. Exactamente como se pede numa canção para adormecer. Não fosse a letra um tanto ou quanto sombria (pelo título já se previa) e conseguiríamos descansar das maleitas da vida. Bem, talvez não, porque seria impossível dormir sem antes ouvir a canção até ao último segundo. O espanto, por surgir uma canção assim a fechar o disco, e ao mesmo tempo a adoração a uma melodia sensível, com a letra de quem já não sabe com certeza quais os sentimentos que tem ("because is love to love you but I'm still unsure (...) I know that you know that I gave you more than I should, I guess that means love ain't always so good"), mas que não duvida que o problema começa em si ("there's still some problems that I need to cure"). 

 

 

Acho que ficou clara a minha admiração por Isaac Gracie e pelo EP "The Death Of You & I". É certamente um dos melhores discos do ano 2017 e, não querendo adiantar muito, está em muito boa conta na listagem final. O que acharam?

 

A fotografia utilizada neste post foi retirada da loja de Isaac Gracie, onde o disco está disponível para compra.